Relatório da Polícia Federal aponta tentativa de obstrução e negligência na coleta de imagens durante a Operação Nevoeiro. Suspeita de suborno e ganhos ilícitos.
O relatório final da Polícia Federal revela que houve uma clara tentativa de obstrução das investigações da Polícia Civil do Rio de Janeiro no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Esse tipo de conduta é extremamente grave e prejudica o andamento das investigações, além de dificultar a busca pela verdade e pela justiça.
A atitude de bloqueio das autoridades policiais no caso de Marielle Franco e Anderson Gomes foi um verdadeiro entrave para a elucidação do crime. Essa postura, segundo a Polícia Federal, resultou na perda das chamadas ‘horas de ouro’, crucial para o desvendamento do caso.
Tentativa de obstrução na investigação de Mario e Anderson
Neste fatídico domingo (24), os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão foram presos por estarem envolvidos e como mandantes do atentado ocorrido em março de 2018. O delegado Rivaldo Barbosa também foi preso pelas autoridades, devido às suspeitas de que ele teria sido o responsável por planejar o atentado e empecilhar as investigações que se seguiram.
Aqui listamos alguns pontos que evidenciam a obstrução que ocorreu durante o processo de investigação:
Nomeação de Giniton
Segundo apontamentos da Polícia Federal, agentes da Polícia Civil estiveram envolvidos na orquestração do delito e, posteriormente, contribuíram para obstruir a investigação.
Um desses indicativos, de acordo com a PF, é que, no dia seguinte ao assassinato, o delegado Rivaldo Barbosa anunciou a nomeação do delegado Giniton Lages, pessoa de sua confiança, como o titular da Delegacia de Homicídios da Capital e responsável por presidir as investigações.
O documento revela a estreita ligação entre os dois, que também foi documentada no livro ‘Quem matou Marielle?’, de autoria de Giniton.
A PF aponta que Rivaldo usou o delegado ‘amigo’ para que não houvesse avanço na investigação.
Negativa de ajuda federal
Outro ponto apontado pela Polícia Federal foi a recusa de Rivaldo em aceitar ajuda da Polícia Federal no início das investigações.
Para afastar essa participação, diz a PF, antes de veiculação de sua entrevista no RJTV, a Delegacia de Homicídios da Capital vazou a informação de que as munições do crime vieram de um lote vendido à PF.
Negligência na colheita de imagens
Um exemplo prático que mostra a negligência na apuração está no âmbito da colheita das imagens do veículo GM/Cobalt.
‘Seja após ao Centro de Convenções Sulamérica [de onde Marielle saía], seja no trajeto realizado antes do Quebra-Mar [por onde circularam os assassinos]. Esse ponto engloba a duvidosa dinâmica de aporte na DHC (Delegacia de Homicídios da Capital) da denúncia anônima que fora oficialmente o ponto de partida para a identificação dos executores’, diz a PF.
Segundo o relatório, ‘a captação de imagens capitaneada pela DHC à época dos fatos não foi capaz de ilustrar o caminho percorrido pelo GM/Cobalt prata, conduzido por Élcio Queiroz, a partir de meros 450 (quatrocentos e cinquenta) metros após o local do fato’.
‘Foi apontado que a equipe policial que esteve no local durante a abertura da janela de oportunidade para coletar prova imprescindível para a continuidade hígida dos trabalhos investigativos, mas, além de não as apreender, sequer as preservou’, continua o relatório.
Operação nevoeiro
Ao detalhar uma das reuniões com os irmãos Brazão, um mês após o crime, Lessa diz que estava preocupado com a repercussão do crime e que os mandantes o tranquilizaram, tendo em vista que ‘Rivaldo estaria redirecionando e virando o canhão para outro lado‘.
Ronnie Lessa atribuiu a frase à ‘entrada em cena’ de Orlando Curicica e Marcelo Siciliano, nomes trazidos à investigação por Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, personagem que figurou como testemunha-chave do caso.
Ferreirinha foi preso em 2019 apontado como responsável por tentar atrapalhar as investigações. Na ocasião, a PF afirmou que Ferreirinha criou uma história com a finalidade de confundir as autoridades – e aproveitou a trama para se vingar.
Segundo a PF, a trama das falsas pistas foi conduzida por Rivaldo.
‘Em que pese o Delegado Giniton Lages ser o presidente das investigações, a trama para levar Ferreirinha à Delegacia de Homicídios foi arquitetada por Rivaldo Barbosa que, no exercício do cargo de Chefe de Polícia, mobilizou o aparato estatal e viabilizou, junto ao Gabinete da Intervenção Federal, uma sala no Círculo Militar da Praia Vermelha, situado na Urca, para a realização do ato’, informou o relatório da PF divulgado neste domingo.
Após a prisão de Ferreirinha, Rivaldo intercedeu junto ao Comando-Geral da Polícia Militar para que fosse viabilizada a transferência ‘em razão dos serviços por ele prestados na dinâmica de imputação indevida da autoria mediata do crime ora investigado a Marcelo Siciliano e Orlando Curicica’.
Recompensa por serviços prestados
‘Ao invés de buscar uma linha de investigação que partisse de provas técnicas e concretas, a DHC enveredou pela construção de uma linha calcada em premissas absolutamente movediças, para apresentar à sociedade a tão cobrada elucidação do Caso Marielle e Anderson’, explica o relatório da PF.
Segundo a investigação, por esse motivo Giniton Lages foi devidamente recompensado por Rivaldo Barbosa por sua ‘atução canina’.
No dia 27 de dezembro de 2018, portanto quatro dias antes do fim da intervenção federal no Rio e também do mandato do então governador Luiz Fernando Pezão, o interventor federal editou o decreto que determinou, por merecimento, a promoção funcional de Giniton Lages para 1ª classe.
A promoção foi considerada atípica, em meio a um caso de tamanha repercussão ainda não resolvido. Rivaldo Barbosa participou de reunião do Conselho Superior da Polícia onde foi abordada a promoção.
Rivaldo, estranhamente, não vetou a indicação de Giniton, tendo em vista que ele próprio, posteriormente, alertaria a respeito da anormalidade da promoção de Lages.
Segundo a PF, a trama foi desenvolvida ‘a fim de garantir a impunidade do crime’ e, como consequência ‘se desvencilhar de condutas criminosas por ele encetadas em conjunto com os autores mediatos’.
Suspeita de suborno
De acordo com as investigações, Rivaldo recebia vantagem indevidas da contravenção para não investigar e não deixar investigar os homicídios por eles praticados, decorrentes das disputas para exploração do jogo do bicho.
Com a quantia adquirida, segunda a PF, Rivaldo teria aumentado consideravelmente o seu patrimônio, adquirindo, por exemplo, diversos imóveis.
‘Rivaldo lucrava enquanto as organizações criminosas empilhavam corpos pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A criação desse ambiente pernicioso permitiu o fortalecimento de grupos criminosos, tendo em vista que a omissão deliberada na repressão dos crimes de homicídio tem o condão de cultivar um ambiente fértil para todo o tipo de criminalidade, sendo esse crime o esgoto no qual desaguam os reflexos dos demais’, diz o relatório da Polícia Federal.
O que dizem os citados
A defesa de Domingos Brazão afirmou que seu cliente é inocente:
”Domingos Brazão, que desde o primeiro momento sempre se colocou formalmente à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos que entendessem necessários, foi surpreendido neste domingo (24) pela determinação do Supremo Tribunal Federal. Em tal contexto, reforça a inexistência de qualquer motivação que possa lhe vincular ao caso e nega qualquer envolvimento com os personagens citados, ressaltando que delações não devem ser tratadas como verdade absoluta — especialmente quando se trata da palavra de criminosos que fizeram dos assassinatos seu meio de vida — e aguarda que os fatos sejam concretamente esclarecidos’, diz a nota da defesa.
O advogado de Rivaldo Barbosa, Alexandre Dumans, disse que seu cliente não obstruiu as investigações das mortes de Marielle e Anderson: ‘Ao contrário. Foi exatamente durante a administração dele que o Ronnie Lessa foi preso’ afirmou o advogado.
A defesa de Chiquinho Brazão não havia se posicionado até a última atualização desta reportagem.
Veja a nota da defesa de Giniton Lages: ‘Durante o tempo em que presidi o Inquérito Policial que apurou as mortes da vereadora Marielle e do motorista Anderson, realizei todas as diligências necessárias à elucidação do caso.
De março de 2018 até março de 2019, foram produzidas: 5.700 páginas, distribuídas por 29 volumes; 230 testemunhas/investigados foram ouvidas; 33.329 linhas telefônicas foram analisadas, através de quebra de sigilo judicial; 318 linhas telefônicas foram objeto de interceptação telefônica, através de ordem judicial, além de várias operações realizadas e acompanhadas por mim e pela minha equipe.
O resultado desse trabalho foi a prisão dos executores, que está todo documentado nos autos do processo, e faz prova de toda a minha dedicação e profissionalismo. Ressalto que minha atuação sempre foi realizada de forma ativa junto ao Ministério Público e Poder Judiciário, cumprindo todos os protocolos de atuação de um delegado de polícia.
A partir da prisão, houve decisão conjunta das instituições de desmembrar a investigação para, na segunda fase, buscar os mandantes. E, friso, que em nenhum momento qualquer suspeito ou linha de investigação foi afastada. E jamais seria.
Nosso compromisso inegociável sempre foi resolver o caso em sua integridade o que só não foi possível porque fui tirado da investigação, no dia seguinte à realização das prisões.’
O g1 tenta conta com a defesa dos outros citados.
Fonte: G1 – Política
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