O projeto de lei que torna prisão preventiva automática para crimes hediondos contraria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e viola prisão ilegal, pois é a audiência de custódia que define medidas cautelares.
Em um cenário complexo, a prisão preventiva ganha destaque em discussões legislativas, como o projeto de lei que pretende torná-la automática para certos crimes. Nesse contexto, a liberdade é frequentemente usada como contraponto à prisão, com muitos defendendo que a justiça deve ser equilibrada entre a necessidade de garantir a ordem e a proteção dos direitos individuais.
Dentro desse quadro, a prisão preventiva é considerada por alguns como um instrumento para garantir a prisão de indivíduos considerados perigosos à sociedade, mesmo antes de seu julgamento. No entanto, outros argumentam que a prisão preventiva pode ser utilizada como uma forma de restrição indevida à liberdade, especialmente se não houver provas concretas de que o indivíduo represente uma ameaça significativa.
Decretação de prisão preventiva em audiência de custódia: o que muda
A Câmara dos Deputados aprovou a urgência do Projeto de Lei 714/2023, que reescreve o artigo 310 do Código de Processo Penal para tornar compulsória a decretação de prisão preventiva em audiência de custódia em casos de crimes hediondos, roubo, associação criminosa qualificada e quando for configurada reincidência criminal. Além disso, o projeto altera o prazo para a audiência de custódia de 24 para 72 horas. O relator do projeto, deputado Kim Kataguiri (União-SP), emitiu parecer favorável à proposta do Coronel Ulysses (União-AC). Kataguiri argumentou que a liberdade provisória é negada em poucos casos, o que comprometeria a segurança pública e dificultaria a elucidação de crimes.
Atualmente, o preso provisório deve ser submetido à audiência de custódia em até 24 horas. Se o juiz entender que estão presentes os requisitos do artigo 312 do CPP e as medidas cautelares alternativas são insuficientes, deve converter a prisão em preventiva. Caso contrário, deve relaxar a prisão ilegal ou conceder liberdade provisória. Conforme o artigo 312 do CPP, ‘a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado’.
A medida também pode ser imposta em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares. É admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos com pena máxima superior a quatro anos: se o acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; e quando houver dúvida sobre a identidade da pessoa ou quando ela não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação (salvo se houver outras razões para a detenção).
O CPP proíbe a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia.
Projeto inconstitucional
O Projeto de Lei 714/2023 contraria a Constituição Federal e precedentes do Supremo Tribunal Federal, afirmam especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo, aponta que o PL é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência. ‘Prisão preventiva automática, sem fundamentos concretos, é antecipação de pena, vedada pela Constituição Federal’, diz Bottini. Além de inconstitucional, a proposta é um ‘grave retrocesso’, avalia Aury Lopes Jr., professor de Direito Penal da Universidade de Brasília.
Fonte: © Conjur
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