Mudança no regimento interno da Câmara prioriza suas proposições. Presidente do Senado cogita equilibrar poderes com alteração no regimento interno.
Uma mudança na dinâmica do trabalho na Câmara dos Deputados está gerando debate entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira(PP-AL), e o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A transformação no regimento interno da Câmara — que trata sobre a prioridade de proposições — não é recente, está em vigor desde 2022, mas foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) e, agora, como não teve sucesso na Corte, fez com que o assunto voltasse à discussão (leia mais abaixo).
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Alteração no Regimento Interno da Câmara Favorece Projetos da Casa
A mudança aprovada pela Câmara no regimento interno determina que:
- Projetos da Câmara tenham prioridade sobre os projetos do Senado. Sendo assim, projetos aprovados pelo Senado e enviados à Câmara são apensados, isto é, juntados às matérias mais antigas e com temas similares que tenham sido de iniciativa da Câmara.
- Antes disso, o regimento estabelecia preferência aos projetos do Senado sobre os da Câmara. Também previa que o texto mais antigo tivesse prioridade sobre os mais recentes, o que agora inverteu.
Senadores reclamam que com a nova regra os textos aprovados no Senado ficam parados na Câmara. Isso porque, ou são juntados com os mais antigos da Câmara, ou entram atrás na fila de antiguidade (veja repercussão abaixo).
Procurada pela reportagem, a assessoria da Câmara disse que ‘as regras e o regime de tramitação de propostas legislativas, assim como a precedência na tramitação conjunta, são definidos pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados, aprovado por meio de resoluções votadas pelos deputados em sessão do plenário’.
O novo desdobramento fez com que Pacheco elevasse o tom em discurso no Plenário do Senado nesta quarta-feira (7). Ao ser questionado sobre o assunto por um parlamentar, ele disse que a modificação — que consiste na supressão dois dispositivos do regimento da Câmara — traz um desequilíbrio aos poderes.
‘De fato, a supressão desse comando no Regimento da Câmara dos Deputados por um projeto de resolução é uma perplexidade, porque, de fato, fica desbalanceado e fica sempre ao alvedrio [arbítrio] do momento de se arquivar um projeto do Senado, que já esteja adiantado’, pontuou Pacheco.
Pacheco disse ainda que, caso a Câmara não recue da alteração, o Senado também fará transformações no regimento interno do Senado. Dessa forma, projetos da Câmara perderiam espaço quando chegassem ao Senado.
‘De duas uma, ou se tem realmente por indevida, passível de ser corrigida essa questão na Câmara dos Deputados, eventualmente até por inconstitucionalidade — que eu espero seja reconhecida, dentro de um acordo político feito entre o Senado e a Câmara, — ou, então, a segunda alternativa seria que o regimento do Senado também seja alterado para suprimir a preferência dos projetos da Câmara em relação ao Senado. E, aí, sim, nós vamos ter novamente o restabelecimento desse balanceamento entre as duas Casas’, afirmou.
Efeitos práticos da Modificação
A nova regra em vigor desde 2022 afetou alguns projetos que acabaram sendo colocados no fim da lista de prioridades da Câmara dos Deputados.
Exemplo disso foi o que ocorreu com um projeto sobre concessão de abono, de novembro de 2023, do senador Jaques Wagner (PT-BA).
Quando o texto chegou à Câmara, não teve prioridade e acabou apensado a um projeto de 2003 do ex-deputado federal Ricardo Izar. E, hoje, após passar por quatro comissões, aguarda análises em outras duas.
- Enquanto a proposta de Wagner (mais recente) prevê abono aos trabalhadores por motivo de vacinação, a de Izar (mais antiga) diz respeito ao abono para pais de filhos com deficiência em casos de acompanhamento em terapias e tratamentos médicos.
Outro projeto que quase passou por isso foi a desoneração da folha de pagamento. Em fevereiro de 2023, o senador Efraim Filho (União-PB) apresentou a proposição.
Mas, quando chegou à Câmara, ela seria apensada ao projeto do deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) sobre o mesmo tema.
O projeto da desoneração só foi para frente — e tramitou em caráter de urgência — após um acordo, que permitiu o arquivamento do projeto de Ayres.
Mudanças e Disputas
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) foi quem levantou o assunto e questionou Pacheco sobre a mudança no regimento interno da Câmara na sessão de quarta.
Foi ele também que em setembro de 2023 apresentou um mandado de segurança no STF pedindo a suspensão da mudança. O pedido foi negado pelo ministro Dias Toffoli sob o argumento de que a lei só poderia ser alterada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Vieira analisa a alteração feita no regimento interno da Câmara como uma ‘fraude ao bicameralismo’. Por isso, ele defende a reação do Senado, para que, segundo ele, ‘não haja uma destruição completa do sistema democrático’.
‘Qual é o efeito concreto disso, para quem nos acompanha e que não é do Parlamento entender? Efeito número um: a última palavra será sempre da Câmara dos Deputados, porque a iniciativa passa a ser do projeto de lá. Então, [o] bicameralismo, a Constituição Federal é rasgada cinicamente pela Presidência da Câmara dos Deputados’, detalhou.
‘O segundo efeito e, para mim, até o mais grave: o cidadão, que é o beneficiário final do projeto de lei, tem o seu direito retardado, porque o projeto, já aprovado no Senado e que poderia ser aprovado na Câmara dos Deputados, vai ter que voltar para cá [Senado] e, se aqui modificado, voltar para lá [Câmara] e virar um pingue-pongue eterno’, prosseguiu.
Disputa de Poder entre Câmara e Senado
Essa não é a primeira vez que Pacheco e Lira se envolvem numa queda de braço para definir quem tem mais poder. Em março de 2023, os dois presidentes tiveram atritos envolvendo a tramitação de medidas provisórias (MPs) apresentadas pelo governo federal.
Durante a pandemia, os textos das medidas tramitavam primeiro na Câmara, com relatoria de um deputado da Casa, sem que fosse necessário passar por comissões mistas — com presença de senadores —, assim como previsto na Constituição.
O Senado desejava o retorno das comissões, o que, a princípio, foi refutado por Lira.
Senadores chegaram a propor que as MPs pares ficassem com a Câmara e as ímpares com o Senado. Naquela época, o objetivo era que os deputados pudessem relatar a MP que restabelece o voto de qualidade no Conselho Administrativo De Recursos Fiscais (Carf) — conselho que serve como última instância administrativa nas disputas entre contribuintes e o Fisco.
Senadores governistas tentaram ainda um acordo para colocar em votação uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que previa a tramitação das medidas provisórias diretamente nos plenários da Câmara e do Senado, sem passar por uma comissão mista. Mas Pacheco acabou vencendo a disputa e as MPs voltaram a tramitar em comissões mistas — onde um deputado e um senador se dividem entre presidência e relatoria.
Fonte: G1 – Política
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