Compromissos presidenciais registrados apenas em e-mails corporativos, fora de agendas públicas, segundo investigadores.
Durante o período de novembro a dezembro de 2022, o presidente da época, Jair Bolsonaro, participou de diversas reuniões no Palácio do Alvorada com assessores, ministros e auxiliares. Muitos desses encontros foram alvo da operação Tempus Veritatis, que investiga a possível tentativa de golpe de Estado após a eleição daquele ano.
Diversas dessas agendas confidenciais não foram registradas nas agendas públicas do presidente, sendo encontradas apenas em e-mails do ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, Mauro Cid, e em calendários dos e-mails corporativos de outros ajudantes de ordem. Esses registros foram entregues à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, que funcionou durante o ano de 2023.
O g1 cruzou os dados dos registros confidenciais e datas relevantes apontadas pela Polícia Federal, pela Procuradoria-Geral da República e pelo ministro relator do caso, Alexandre de Moraes. Mesmo as agendas, entretanto, não possuem todos os dados, já que a PF identificou muitas visitas pelos registros de entrada no palácio.
Em pelo menos três datas destacadas pelos investigadores, as agendas confidenciais de Bolsonaro feitas pelos ajudantes de ordem mostram encontros potencialmente relacionados. Veja abaixo quais foram elas:
14 de novembro
Segundo os dados da investigação, o major Rafael Martins, preso nesta quinta pela Polícia Federal, participou de reunião no dia 11 de novembro de 2022, juntamente com Mauro Cid, e ‘outros militares investigados para tratar de assuntos relacionados a estratégia golpista.’ O encontro ocorreu em um prédio na Asa Sul, em Brasília, ‘utilizado por vários militares que integravam o governo do então presidente Jair Bolsonaro.’
Dois dias depois, em 14 de novembro, por volta de 13h40, Rafael Martins troca mensagens com Mauro Cid sobre apoio financeiro a manifestações golpistas. Segundo a PF, ‘o ajudante de ordens [Cid] solicita que o mesmo faça estimativa de custos com hotel, alimentação e material e pergunta se a quantia de R$ 100 mil é suficiente’. A PF não deixa claro se o valor foi pago. Para a PF, Martins era o interlocutor de Cid na ‘coordenação de diversas estratégias adotadas pelos investigados para execução do golpe de Estado.’
Naquele mesmo dia, 14 de novembro, o registro feito pelos ajudantes de ordem indica um encontro às 14h30, no Alvorada, com participações de ‘MD’ (sigla do Ministério da Defesa), ‘comandantes de Força’, ‘MJ’ (sigla do Ministério da Justiça), ‘AGU’ (sigla da Advocacia-Geral da União), ‘CGU’ (sigla da Controladoria-Geral da União), ‘Gen Braga Netto’ e ‘AE Rocha’ (provavelmente menção ao Almirante de Esquadra Flávio Rocha, então assessor da Presidência).
O registro informa que a reunião durou até 16h20 – e foi imediatamente seguido por um registro ‘Ligação Trump’, que teria durado 10 minutos.
Encontros secretos continuam a ser revelados
7 de dezembro
A Procuradoria-Geral da República aponta outro alvo da operação preso preventivamente nesta quinta, o ex-assessor da Presidência Filipe Martins, como figura que ocupava ‘posição de proeminência nas tratativas jurídicas para a execução do golpe de Estado, por meio da intermediação com pessoas dispostas a redigir os documentos que atendessem aos interesses da ala mais radical.’
‘Ao longo dos meses de novembro e dezembro de 2022, após o segundo turno das eleições, os registros de acesso do Palácio do Alvorada revelaram que Felipe Martins esteve por diversos dias no local, quase sempre por muitas horas, o que demonstra que seu contato com o então presidente no período foi frequente e relevante para a execução de atos que visavam o golpe de Estado, inclusive no dia 7 de dezembro de 2022, quando teria apresentado a minuta juntamente com o então presidente Jair Bolsonaro aos comandantes do Exército e da Marinha e ao então ministro da Defesa’, diz a Polícia Federal.
Em outro trecho, a decisão de Moraes destaca que a PF identificou neste dia a presença no Alvorada de Filipe Martins, Amauri Feres Saad (jurista que, segundo a PF, auxiliou na redação da minuta de um decreto a ser utilizado no golpe), o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Mauro Cid e os comandantes da Marinha, Almir Garnier Santos e o comandante do Exército, general Freire Gomes.
De fato, no dia 7 de dezembro, os registros feitos pelos ajudantes de ordem apontam duas reuniões secretas de Bolsonaro no Alvorada. Um delas, entre 8h30 e 9h, identifica como participante o ministro de Estado da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Mais tarde, entre 11h e 11h30, o registro é de um encontro com o general reformado Eduardo Villas Bôas.
18 de dezembro
Um outro dia que os registros feitos pela Polícia Federal apontam como relevante para os planos sob investigação é o dia 18 de dezembro. A PF aponta que ‘em meio planejamento operacional que se direcionava à concretização do golpe, um sistema de inteligência paralela funcionava, inclusive para o fim de monitorar diversas autoridades’, incluindo o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes.
Durante esse monitoramento, diz a PF, Mauro Cid e outro dos presos nesta quinta, o coronel e ex-assessor da presidência Marcelo Câmara, trocaram mensagens sobre o paradeiro de Moraes, indicando sua presença no dia 18 de dezembro em São Paulo. A ideia, apontam os investigadores, era de que Moraes fosse preso neste dia, conforme mensagens trocadas entre dois dos investigados: o general reformado Laércio Vergílio e Ailton Gonçalves Barros.
‘Nesse sentido, a autoridade policial narra que, no planejamento operacional descrito pelo general Virgílio, a prisão desse relator seria executada no dia 18 de dezembro 2022, em sua residência em São Paulo’, diz Moraes na decisão.
Naquele dia, um domingo, a agenda oficial de Bolsonaro estava vazia. Mas, segundo os registros dos ajudantes de Ordem, Bolsonaro teve quatro encontros secretos no Alvorada com alvos da operação de hoje:
- o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, entre 9h e 9h45;
- o comandante da Marinha, Almirante Garnier Santos, entre 10h e 11h;
- Felipe G. Martins, assessor internacional, entre 11h e 11h30; e
- general Augusto Heleno, GSI, entre 11h30 e 12h.
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Fonte: G1 – Política
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