A cultura banto influencia fortemente o português brasileiro em vocabulário, entonação, pronúncia e sintaxe. Palavras africanas fazem parte do nosso léxico devido ao falar língua, o trabalho doméstico é baseado em tradições e a dieta nativa é rica em sabores. Além disso, o universo fantástico da mitologia tem origem nas línguas da família, onde o conhecimento é um patrimônio adquirido naturalmente.
A escravidão é uma marca que ainda hoje é presente em diversas palavras do dia a dia brasileiro, especialmente aquelas relacionadas ao trabalho doméstico. Palavras como cafuné, caçula, babá e moleque são apenas alguns exemplos da influência africana que ainda é muito presente.
As mulheres negras eram força de trabalho em muitas casas-grandes, realizando diversas atividades diárias, desde a limpeza até a cozinha. Um dos aspectos mais chocantes é que, estima-se que cerca de 4 a 5 milhões de africanos foram traficados para o Brasil durante o período da escravidão. É espantoso pensar que, muitas dessas mulheres eram escravizadas, forçadas a se submeterem a seus proprietários e a realizar trabalho-doméstico, sem nunca terem o direito a liberdade e respeito. A escravidão é um capítulo sombrio da história brasileira.
Herança Africana no Brasil: a Escravidão e suas Marcas
Na vasta extensão da África, os povos bantos se espalharam ao sul da Linha do Equador, formando um grupo diverso que se unificava através das línguas banto, de onde provêm palavras que ainda hoje fazem parte do nosso vocabulário. Destes, aproximadamente 75% eram bantos, que aprenderam a falar línguas da família linguística banto. O trabalho-doméstico era uma parte fundamental das suas vidas, assim como o trabalho na força-de-trabalho, principalmente em Angola, República Democrática do Congo e Moçambique. Esses escravizados aprenderam o português e imprimiram em seu falar hábitos e características de suas próprias línguas, fato que é evidente nas palavras que a palavra-africana nos legou.
Os colonizadores portugueses criaram uma rede de escravidão baseada na força-de-trabalho das mulheres africanas, que trabalhavam na cozinha, cuidavam das crianças e exerciam outras atividades. A sua força de trabalho foi fundamental para a sobrevivência da família colonial, e elas exerciam um papel especial na transmissão do conhecimento-nato e da dieta-nativa. O universo-fantástico afrorreligioso dessas mulheres influenciou as famílias brasileiras por meio da contação de histórias, compartilhamento de conhecimento e introdução de elementos da sua dieta nativa na comida diária da casa.
A Influência da Escravidão na Formação do Brasil
Yeda Pessoa de Castro, uma renomada etnolinguista, destaca a importância da força-de-trabalho da mulher negra escravizada na historiografia brasileira. Ela também ressalta que essas mulheres tiveram um protagonismo inigualável na família e vida diária do colonizador, que foi muito além do serviço doméstico prestado. Castro descreve como as mulheres africanas influenciaram as famílias brasileiras por meio da contação de histórias do seu universo-fantástico afrorreligioso, do compartilhamento de seu conhecimento-nato de folhas e ervas medicinais, como cozinheiras introduzindo elementos de sua dieta-nativa na comida diária da casa e como amas de companhia das jovens solteiras e cuidadoras das crianças.
A Herança Cultural e Linguística
A própria palavra ‘babá’ é uma das muitas marcas deixadas por esse importante trabalho: pesquisadores rastreiam a sua origem no quimbundo, uma das línguas bantas faladas em Angola. Da mesma forma, várias outras palavras ligadas ao cuidado e à maternidade também foram inseridas no contexto brasileiro por esse meio. ‘No campo afetivo, a mãe negra nos deixou o xodó, o cafuné, o cochilo, o dengo, e nos falou que ‘o caçula é o dengo da família’, o irmão mais jovem, sempre tratado com muito mimo por todas da casa’, diz Yeda Pessoa de Castro. Enquanto dengo vem do quicongo, falada no norte de Angola e no baixo Congo, caçula tem origem no quimbundo. Não há no Brasil outra palavra para se referir ao filho mais novo. O português europeu diz ‘benjamin’, que para o falante brasileiro, além de ser uma palavra estranha, não transmite o mesmo significado que dengo.
Conclusão
A escravidão teve um impacto profundo na formação do Brasil, não apenas em termos de trabalho-força e colonização, mas também na influência cultural e linguística. A herança africana está profundamente enraizada no nosso dia a dia, desde as palavras que usamos até as histórias que contamos. É fundamental que respeitemos e reconheçamos a importância do papel das mulheres africanas na formação do nosso país e que não sejam esquecidas. Elas são as verdadeiras mães da nossa cultura e língua.
Fonte: © G1 – Globo Mundo
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